quarta-feira, 18 de junho de 2008

Existem pessoas com mais sorte que outras?


Esta é uma questão que, à primeira vista, parece elementar, mas não é. E, para o total desconforto de alguns cristãos, o problema agrava-se quando nos deparamos com fatos nitidamente comprobatórios de que há pessoas que parecem receber uma “ajudinha extra” em tudo que fazem, enquanto outros, ao contrário, nada do que fazem dá certo.
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Há histórias estranhíssimas apontando esta dolorosa realidade; histórias de pessoas que nada fizeram e nada fazem para serem melhores e, no entanto, conseguem sempre o mais difícil. Em contrapartida temos trabalhadores que se esforçam até o seu limite e não levam nada. Eu não estou falando aqui de probabilidades, mas de fatos avassaladoramente inexplicáveis e inexoráveis.
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É indiscutível dizer que existem algumas mostragens nos episódios da vida que nos deixam sem qualquer explicação, mesmo que tentemos explicar. Pior: na tentativa de responder à questão em tela, o fazemos de maneira simplória. Na realidade, a intenção das explicações simplistas é quase sempre fechar o assunto acerca do qual não compreendemos e contra o qual nos sentimos impotentes.

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É por essas e outras explicações anestésicas, mas nada racionais, que acabamos sofrendo do mal de Asafe, o líder dos cantores de Davi.
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O cantor de Israel, ao sair um dia do seu casulo existencial sagrado, enfrentou a pior crise da sua vida. Para ele era algo asfixiante, esmagador: viu que os “ímpios” (os não religiosos) estavam levando a melhor ao sabor de uma vida sem Deus. Ele que apostara tudo em Deus parecia menos privilegiados. O que estava acontecendo?
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"precisamos reler e reescrever o conceito de sorte e azar na história humana"
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Na verdade, quando perguntamos se há os que têm mais sorte na vida, queremos de fato fazer uma outra pergunta: por que o ímpio parece estar levando a melhor? Jó e Eclesiastes são os únicos livros – em toda a Bíblia Sagrada – a ressaltarem uma maneira contrária de pensar a vida do justo e do ímpio.
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Jó, descrito na “torá oral evangélica” como paradigma da submissão, da suportabilidade, homem de comportamento ilibado em relação à dor, é a figura mais rebelde do Antigo Testamento. É rebelde na sua maneira de tratar as interpretações acerca do sofrimento do justo: reclama, combate, insurge-se, repele qualquer explicação da ortodoxia religiosa, não aceita a dor, reivindica justiça, chama Deus a um tribunal para uma disputa justa...
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A maneira tradicional de pensar o sofrimento de Jó é oposta a tudo o que está desvelado nas Escrituras Sagradas. Nossos intérpretes – parece – pegaram o “bonde andando” e agora não sabem para onde vão e nem têm como pará-lo. Jó, portanto, é a história de dor, angústia, sofrimento que torna o homem mais sagrado alguém de carne e osso. Além do mais, para Deus vale mais o tratamento do nosso caráter do que o nosso bem estar.
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O autor de Eclesiastes, por sua vez, abre mão do ortodoxismo do seu tempo e se arremete contra a dicotomia determinista, que coloca o ímpio sempre em situação de desvantagem na história. O “pregador” reverbera dizendo que nem sempre isso é realidade:
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“Sim eu sei que dizem: ‘Se você temer a Deus, tudo lhe correrá bem; mas não correrá bem para os maus. A vida deles passa como a sombra: morrerão jovens porque não temem a Deus.’ Mas isso não tem sentido. Vejam o que acontece no mundo: muitas vezes os bons são castigados, e não os maus; e os maus são premiados, e não os bons”.
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Há mais de quinhentos anos, um filósofo grego de grande saber, considerado oráculo dos deuses, já deblaterava que algumas situações por que passamos jamais serão compreendidas racionalmente. No fundo, o velho filósofo tinha razão. De fato, nada dói tanto que a dor incompreendida. Primeiro dói porque é dor. E segundo dói pelo fato de não se saber por que está doendo.
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"Toda esta inquietação existencial é em face de um axioma cristão que se constitui premissa fundamental da religião cristã: 'Se Deus está conosco, mal nenhum pode nos ocorrer' ''
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Toda esta inquietação existencial é em face de um axioma cristão que se constitui premissa fundamental da religião cristã: “Se Deus está conosco, mal nenhum pode nos ocorrer”. Partindo deste sufrágio cristão, o questionamento de Gideão feito ao anjo é justo: “Se o Eterno está com o nosso povo, por que está acontecendo tudo isto com a gente?” Levando-se em conta que o juiz de Israel entende – como todos nós – o fato de que a presença de Deus é sempre razão de vitória - questão fechada e incontestável para muitos cristãos – o que fazer para entender os fatos contrários?
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A partir desta Escritura episódica e do questionamento do juiz de Israel, entendo que, com urgência, precisamos reler e reescrever o conceito de sorte e azar na história humana. Isto porque este conceito é absolutamente relativo. Já que a sorte de hoje pode se tornar no azar de amanhã e vice-versa. Mais: não há quem viva só de azar nem tampouco de sorte; esses elementos circunstâncias por vezes se alternam na vida.
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Acompanhe o meu raciocínio e descubra a gangorra da vida entre a sorte e o azar:
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Fábio amava Alcione. Mas Alcione nada queria com Fábio – que azar de Fábio. Depois de tantas tentativas, Fábio consegue convencer Alcione de se casar com ele – que sorte de Fábio. Após o casamento, o casal descobre que não pode ter filhos – que azar de Fábio e Alcione. Fábio e Alcione conseguem tratamento e o esperado filho nasce – que sorte. Após o nascimento da bela criança, Alcione morre – que azar para Fábio. O menino Filipe cresce e quando completa a idade de 18 anos o pai lhe presenteia com um belo cavalo puro sangue – que sorte. A primeira cavalgada com o belo cavalo Filipe cai e quebra a perna – que azar. Dias depois, chega uma convocação do exército para o jovem Filipe, para que este se apresente com urgência a fim de ser enviado para o campo de guerra; Filipe não pode ir pelo fato de ter sua perna quebrada – que sorte. Filipe...
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Como o leitor pode notar, eu poderia continuar esta história interminável. No entanto, com ela eu só quero destacar a alternância que há entre a sorte e o azar e como os dois elementos se ajustam na existência humana, revelando-nos que não há determinismo em nenhum desses elementos. Do exposto, para amenizar a dor do leitor, deixo esta palavra de consolação:
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A maioria dos homens que conseguiramse tornar os mais ricos do mundo veiodas classes menos favorecidas.
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Reverendo Paulo Cesar Lima

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O que está por trás do filme “Tropa de Elite”


“...vence o mal com o bem” (Rm 12).

O filme “Tropa de Elite” é a história do “bom” que tem que virar “mau” e do “mau”, que cansado de ser mau, quer voltar a ser bom, mas isso só é possível quando encontrar o “substituto”. Ou seja: um outro igual a ele (do bem) que se transforma em mau.
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O roteiro do filme patrocina uma filosofia de vida pró-violência que cristaliza-se nas almas doentes e hipócritas de um povo amordaçado pelas infringentes idéias de que sempre o “melhor”, algo não mais encontrado na sociedade humana, é o “menos ruim”.
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“Tropa de Elite” é filme que faz gostar quem não pensa, atira; quem não tem neurônios suficientes para ajuizar critérios entre o certo e o errado, sente; quem não tem olhos para ver, admite; quem não tem sensibilidade, faz; quem não se apercebe ludibriado, enganado por uma solução-violência criada pelas elites desse país – morte aos pobres; quem não entende que por trás destas imagens imbecis está a “moral do apartheid”, numa versão brasileira, que molhou de sangue a África do Sul; quem não aprende que o que eles querem inculcar nas cabeças vazias da massa brasileira é a diabólica idéia de que o bem só vai até a porta das favelas; dali para frente é o inferno. Esta dicotomia dos guetos provoca – numa população já dominada pelo medo, pelo ódio, pela violência – aversão aos favelados, absolutização da idéia de matar “pobres e negros” e um desvio de atenção, fazendo nós pensarmos, os idiotas da platéia, que o mal só é encontrado nos grotões da vida.




“Tropa de Elite” constrói a estúpida idéia para os imbecis que existe no Brasil um grupo de policiais – história da carochinha – ainda não corrompido pelas torpezas morais reinantes neste país. E que por isso fazer parte dessa elite policial só os “bons” – o critério de bondade deles é identificar o “bom” como aquele que se torna “mau”, violento, insensível, homicida.
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Como os nossos referenciais morais estão apagados e quase sem visibilidade é possível que o espírito do preconceito que domina o filme “Tropa de Elite” se incorpore nas veias, artérias e músculos dos adolescentes e jovens brasileiros suscitando o aparecimento de grupos radicais, neonazistas, caçadores de pobre-favelados querendo fazer justiça com as próprias mãos.
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A maior violência que o filme “Tropa de Elite” sugere não é a que está à flor da pele, mas a que está por trás dessa que é visível – a violência produzida pelo preconceito.
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Mas o filme, num momento de lucidez, também faz crítica a hipócrita sociedade brasileira que sai às ruas em passeata pela paz, mas notoriamente são os maiores usuários de drogas e, por conseguinte, os grandes mantenedores do crime.

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Rev. Paulo Cesar Lima

domingo, 1 de junho de 2008

O que é evangelizar?


Evangelizar é tarefa primordial da Igreja, principalmente quando ela entende o seu momento e o seu papel histórico e, por isso, se articula na sociedade como comunidade alternativa para “salvar” aqueles que perderam o horizonte da vida e os referenciais acerca de Deus.
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Evangelizar é, portanto, não permitir a degeneração humana; é não deixar que a sociedade, sem Deus, entre em colapso moral; é dar transparência às atitudes humanas quase sempre acobertadas pela farsa e pelo cinismo; é não deixar que a ganância dos poderosos esmaguem o povo miserável e oprimido; é levar os homens a uma aliança com Deus, através da pessoa de Jesus Cristo; é dar aos homens valores a partir dos quais possam conduzir suas vidas; é ser voz profética no combate contra a injustiça, a imoralidade, os vícios, a falta de caráter; é se insurgir profeticamente contra o cartorialismo, o fisiologismo, o corporativismo, o capitalismo selvagem, que visam, única e exclusivamente, o empobrecimento daqueles que não têm mais nada a perder; é reviver a esperança no coração de uma sociedade que tem sido aviltada, esmagada, estilhaçada, humilhada, ultrajada, espoliada pela violência política e econômica, que vem se perpetuando ao longo de sua dura existência.
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Enfim, evangelizar é recolocar na boca do povo o grito de independência e libertação dado por Jesus na cruz do Calvário (“Está consumado!”) contra o pecado, a culpa, a idolatria, a feitiçaria, o orgulho, a falta de solidariedade humana, a desumanização do ser humano, a morte, o inferno e as maldições provocadas pelos maus exemplos presentes na sociedade em que vivemos.
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Rev. Paulo Cesar Lima