sábado, 31 de maio de 2008

DJs às avessas


Pequeno toca-discos debaixo do braço, uma lista enorme com os nomes dos mais badalados cantores da música pop brasileira e palavras repletas de juízo e maldição lança­das ao ar, é assim que os novos “caças fantasmas” chegam às igrejas e­vangélicas.


Tudo parece novo, mas não é. Trata-se de um modismo que já havia sido dado como extinto do meio evangélico, mas que está voltando: a mensagem oculta contida nos LPs de alguns dos mais famosos intérpretes da música popular brasileira. É só girar o disco ao contrário que, segundo os DJs às avessas, se ouve mensagens satânicas.


Questiono tal postura por duas razões básicas. Primeiro porque o povo evangélico não é de ouvir nem de cantar sistematicamente as mú­sicas pops do momento e, se o faz, é só por descontração, sem nenhum tipo de envol­vimento e valorização. Em segundo lugar, questiono tal estratégia, porque seu pressuposto é falho e incide sobre algo não científico e muito menos bíblico. Não é científico, porque se fundamenta em provas hipotéticas de que vozes do além estariam ocultas nas mensagens ouvidas, querendo dizer uma outra coisa. Também não tem respaldo bíblico, porque enquanto se preocupa em buscar vozes e mensagens satânicas num contraditório meio de girar discos ao contrário, deixa de perceber e combater a verdadeira essência dos ataques satânicos: as meias verdades. Is­to porque, quase sempre, os ataques diabólicos manifestam-se em lugares que imaginamos totalmente improváveis. Às vezes aparecem num disco evangélico, com uma mensagem doutrinária distorcida, ou com um apelo extremamente antibíblico, como é o caso de alguns “corinhos” que trazem mensagens equivocadas.


O que eu quero ressaltar aqui é que muitas vezes perdemos tempo precioso buscando neutralizar os ataques do diabo do la­do de fora, quando estamos sendo bombardeados dentro e não nos apercebemos.


O pior diabo é aquele que pensamos estar sob controle ou o que achamos estar amarrado e sem poder de nos atacar, pelo menos nas áreas demarcadas por nós como invulneráveis.
Os fariseus erraram fragorosamente porque imaginaram que tinham satanás debaixo de controle. Nem mesmo Jesus verbalizando que eles eram filhos do diabo foi suficiente para despertá-los. Isso porque estavam convictos de que o diabo não os atacaria em determinados flancos. Ao restringirem a ação do diabo admitindo-a apenas de uma forma (do lado de fora), deixaram de per­cebê-la dentro.


A igreja, muitas vezes, não consegue nada do lado de fora, porque seu lado de dentro está apodrecendo por ações extremamente diabólicas. Por isso Paulo diz que o “juízo deve começar pela casa de Deus”. Ou seja: como podemos pregar amor aos de fora, se não temos amor dentro? Como podemos pregar a união aos de fora, se dentro estamos o tempo todo brigando? Co­mo podemos pregar a paz aos de fora, se dentro estamos em constante guerra?
Por isso que o juízo tem que começar primeiramente pela Casa de Deus, ou seja, do lado de dentro.



Rev. Paulo Cesar Lima

“Paixão de Cristo”

Alguns olham, mas não vêem; outros escutam, mas não ouvem; há também aqueles que não conseguem uma coisa nem outra. No entanto, há os que vêem e abstraem até mesmo além do que estão vendo.
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Dirigido pelo então ator de Hollywood, Mel Gibson, o filme “Paixão de Cristo”, diferente de todos os demais até então produzidos, mostra, com fina clareza e vivas demonstrações, a dor, o sofrimento por que passou Jesus. Mais: mostra, em cenas assustadoramente reais, as ininterruptas barbáries infringidas contra o corpo indefeso de Jesus, esbagaçando-o completamente. A ação dos soldados romanos dilacerando o corpo de Cristo é algo avassaladoramente inominável, e com requintes da mais absurda crueldade. Não há quem não chore, e que não queira gritar: “Parem! Mudem de cena!”

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Sofrimentos à parte, o filme aclara a visão de como esta cena vem se repetindo ao longo dos séculos sobre aqueles que ousam desafiar ou mesmo denunciar a maneira imoral de ser dos sistemas religioso, político, social, econômico implantados na sociedade.Também fica evidente no filme que a morte dos “cristos” (os seguidores de Jesus) é produzida quase sempre pelos religiosos, os quais introjetam no tecido sangüíneo da sociedade o veneno da intolerância e do ódio compulsórios, que é o germe das piores atrocidades ocorridas na história da Humanidade.

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As cenas, muito bem trabalhadas e editadas, com algumas inserções spilbergianas, é lógico, têm a seu favor ser, pelo menos até hoje, o que mais se aproxima da narrativa bíblica encontrada nos evangelhos. Gibson mostra um Cristo totalmente humano, indefeso.


Paixão de Cristo, com muita sensibilidade e discernimento, consegue ressaltar certos detalhes comportamentais das personagens envolvidas, direta ou indiretamente, na história da crucificação de Jesus, e trazer de volta relevâncias históricas até então despercebidas. Essa nova leitura tirada das letras inanimadas das narrativas dos evangelhos, nos obriga a uma releitura da morte de Jesus. Aliás, a morte de Jesus – o mais atroz homicídio cometido pelo sistema sacrificalista – não deve ser vista tão-somente com visão sentimentalista, romântica ou coisa que o valha. Gibson, com o uso de suas robustas lentes filmadoras, faz-nos rever conceitos antigos sobre as cenas envolvendo o Calvário. Paradoxalmente, foi preciso o binóculo hollywoodiano para conseguirmos enxergar o Gólgota de forma diferente, coisa que a própria Teologia nesses longos anos de atividade pedagógica não obteve sucesso.
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A morte de Jesus não se trata apenas de um marco na história do cristianismo. É mais do que isso. É o ponto máximo da redenção dos homens. Mas é também o fundamento mimético da história, que se repete com a morte dos filhos de Deus, os seguidores de Cristo, na atualidade.
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A minha abstração do filme “Paixão de Cristo” é feita a partir da separação de alguns elementos do conjunto das cenas. Se não, vejamos:
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1. Cristo – Sua morte tem cunho teológico – morreu para salvar o homem pecador. Mas também abrange aspectos sociais e políticos bem relevantes. Primeiramente, o destaque para a representação da sua morte. Ela aponta a história dos “cristos” (seus seguidores) que morrem, aqui e ali, por conta de tentarem ser coerentes com a verdade e a justiça. Segundo, a denúncia feita aos sistemas de morte tem uma reverberação histórica inextirpável: o que matou Jesus, continua matando seus “seguidores”. É óbvio que com esta declaração não pretendo, nem de longe, associar qualquer ação de resgate social com o que aconteceu no Calvário.
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2. Os sacerdotes – Quem mata os “cristos” (os que, com a vida, imitam Jesus) são sempre os religiosos. Os que vivem da e pela religião, não aceitam dessemelhança, diferenças na sua estrutura. Ao menor sinal de diferença, a morte é decretada. A inveja dos sacerdotes, adoração dissimulada, matou Cristo e mata seus “seguidores” atuais.
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3. O povo judeu – O povo, como sempre, é elemento de manipulação nas mãos das elites. Não consegue ter idéia própria, mas trabalha a que é fabricada. Diz sim ou não a tudo que o sistema determina. Exemplo: os “caras pintadas” da época de Collor. Eram apenas bonecos nas mãos de ventríloquos.
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4. Os oficiais romanos – Representam o sistema desinteressado em fazer justiça. Só querem preservar a imagem. Fazem, sem escrúpulos, aquilo que o povo deseja, fingindo-se seus cooperadores e ajudadores. Para eles tanto faz soltar Cristo ou Barrabás. Estão sempre com as mãos sujas, prontas para serem lavadas na bacia da indiferença e da omissão.
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5. Os soldados romanos – São os reprodutores do ódio do povo. Não têm vontade própria. Matam até irmãos em obediência a ordens dadas, mesmo as mais estapafúrdias.
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6. Os discípulos – Seguem Jesus, mas não conseguem avaliar o preço deste compromisso. Aliás, se assustam quando vêem a extensão do seu envolvimento. Nenhum deles se dignou a sequer carregar a cruz pesada que Jesus carregou.
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7. O mal – Nas cenas mais intensas e marcantes aparece a figura corporificada do mal, sempre por trás ou no meio do povo, querendo ressaltar que o pior mal é o institucional.
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8. O jogo antagônico entre a justiça e a injustiça – A paixão de Cristo mostra, em cores vivas, que o amor não pode ser existencialista, mas atemporal para vencer as “aparências” na guerra entre a justiça e a injustiça. O que Jesus descobriu, e a descoberta terá uma longa e explosiva história no Ocidente, é o poder da vítima contra o agressor: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.
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Rev. Paulo Cesar Lima